COLITES INESPECÍFICAS
Sergio Eduardo Alonso Araujo
Doutor em Medicina pela FMUSP Cirurgião da Colorretal
A denominação ‘colites inespecíficas’ é mais comumente empregada para designar a retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) e a doença de Crohn (DC) no cólon como resultado de suas etiologias ainda incompletamente esclarecidas. Nesse capítulo, trataremos do papel do exame colonoscópico no diagnóstico e seguimento dos doentes com colites inespecíficas.
À exceção dos doentes que se apresentam com colite aguda grave associada ou não ao megacólon tóxico, o exame colonoscópico tem clara indicação quando da suspeita de doença inflamatória intestinal como também durante o seguimento de doentes para os quais o diagnóstico já foi realizado. Nessas situações, conforme se observará, o exame endoscópico do intestino grosso associado ao exame histológico de múltiplas biópsias fornece, quase sempre, valiosas informações necessárias ao diagnóstico e implementação do tratamento.
19.01 O exame colonoscópico nas colites inespecíficas
Muitos pacientes com colites inespecíficas não necessitam de exame colonoscópico para o diagnóstico inicial que pode ser perfeitamente realizado baseado na história, exame físico e achados à retossigmoidoscopia. Ainda que a qualidade da informação que provém da avaliação colonoscópica seja função da experiência do examinador, a colonoscopia é mais sensível na avaliação das alterações da mucosa bem como da extensão da doença. A habilidade de detectar alterações da coloração da mucosa bem como alterações hemorrágicas (eritema, friabilidade e edema da mucosa) é propriedade inerente do exame colonoscópico. Quando há forte suspeita de colite inespecífica e os achados à sigmoidoscopia ou ao enema opaco são negativos, a colonoscopia com múltiplas biópsias pode determinar a presença e intensidade da inflamação no cólon2 . Quando há suspeita de recidiva da DC após tratamento cirúrgico, a colonoscopia fornece resposta na maioria dos casos. Outras indicações para exame colonoscópico em doentes com suspeita ou diagnóstico de colite inespecífica incluem os achados radiológicos de estenose e imagem de subtração (massas) e, finalmente, estabelecer o diagnóstico diferencial entre RCUI e DC. A avaliação da extensão da doença e do sucesso do tratamento clínico representam outras indicações da colonoscopia em pacientes com doença inflamatória intestinal — Quadro 19.01.
O exame colonoscópico está contraindicado nos pacientes com colite aguda grave e que, portanto, apresentam-se toxemiados (desidratação, febre, taquicardia, leucocitose a com exame físico do abdome revelando sensibilidade ou dor). Nessa situação, a colonoscopia pode precipitar a dilatação tóxica do cólon ou mesmo a perfuração. A realização da retoscopia ou retossigmoidoscopia cuidadosas pode confirmar a presença de colite em atividade e permite a realização de biópsias.
Nas situações em que o exame está indicado, o preparo intestinal mecânico do cólon pode ser realizado de forma habitual. Vale lembrar que para os pacientes com pancolite e microcólon, a obtenção de preparo de boa qualidade está facilitada e a espera para a realização do exame pode, dessa forma, ser encurtada. Alguns autores relataram o achado de alterações da mucosa na forma de úlceras aftóides diminutas (1 a 3 mm) observadas principalmente em cólon esquerdo após a realização de preparo intestinal com solução oral de fosfato de sódio25,54 em pacientes sem história prévia de doença inflamatória intestinal. A biópsia dessas lesões revelou apenas edema de mucosa. Com base nesses achados, contraindicaram o emprego do fosfato de sódio em doentes com suspeita ou diagnóstico de doença inflamatória intestinal. Segundo outros autores11 bem como em nossa experiência20, com a solução oral de fosfato de sódio (Fleet Phospho-Soda®, CB Fleet Company, Lynchburg, VA, EUA) tais lesões não foram observadas e pacientes com diagnóstico de doença inflamatória intestinal foram examinados após esse tipo de preparo de forma segura e eficaz.
Em pacientes com doença em atividade, em especial na DC, onde a inflamação é transmural, o risco de perfuração pode estar aumentado. Como resultado, manobras ‘às cegas’ tais como a procgressão utilizando a técnica de slide by e também as manobras de redução de alça devem ser realizadas com extremo cuidado ou mesmo evitadas.
19.02 Diagnóstico diferencial das colites inespecíficas
Não restam dúvidas de que o exame colonoscópico representa a mais eficaz avaliação do cólon necessária ao diagnóstico das colites inespecíficas e não é incomum que o colonoscopista seja chamado a opinar sobre o diagnóstico logo ao final do exame, sendo então abordado pelo doente que não raramente encontra-se ansioso. Não somente deve o examinador corresponder às expectativas do doente, mas sobretudo, do médico que indicou o exame. O exame colonoscópico torna-se, então, uma excelente oportunidade para confirmar a hipótese diagnóstica e é importante que o endoscopista faça alusões, no laudo e na documentação fotográfica, sobre os diagnósticos diferenciais das colites inespecíficas a serem considerados e que incluem as colites infecciosas e parasitárias em indivíduos sãos e imunodeprimidos, a colite actínica, a colite isquêmica, a colite colagenosa, a colite microscópica e a colite neutropênica — Quadro 19.02.
19.02.01 Colites e proctossigmoidites infecciosas e parasitárias Entende-se que a a diarréia aguda (duração inferior a 3 semanas) tem etiologia mais freqüentemente relacionada a agentes infecciosos virais (rotavírus e Norfolk) ou bacterianos (Salmonella, Shigella, Campylobacter, E. coli e C. difficile) e menos relacionada às colites inespecíficas. Muitos pacientes com infecção intestinal por Shigella tem diarréia aguda com sangue e muco associada a febre. Como a Shigella, as infecções por Campylobacter afetam primariamente o cólon no entanto com quadro de sangramento de menor frequência e intensidade uma vez que nem todas as cepas de Campylobacter produzem toxinas. De especial nessa infecção, ressaltamos o caráter recidivante que pode lembrar o diagnóstico de colite inespecífica. Nessas situações o exame colonoscópico revela sinais mais ou menos extensos de colite aguda leve ou mesmo nenhum sinal e, dessa forma, não representa via de regra opção diagnóstica adequada na medida em que, à exceção da colite pseudomembranosa, colites infecciosas e parasitárias são indistingüíveis das colites inespecíficas no que se refere ao aspecto endoscópico. No entanto, na vigência de infecção aguda por Salmonella, o processo inflamatório mais freqüentemente estará localizado no íleo o que pode levar à suspeita de DC. O mesmo acontece com a infecção por Yersinia enterocolitica. Na diarréia aguda, o achado de ulcerações rasas com exsudato amarelado e halo eritematoso sobre a mucosa colorretal normal pode estar associado a etiologia amebiana ou shiguelose. Vale lembrar ainda a infecção intestinal pela E. coli 0157:H7. Nessa infecção, a bactéria produz uma toxina (shiga toxina) que causa colite grave com achados micorangiopáticos. Essa infecção pode ser complicada pela síndrome hemolítico-urêmica, principalmente em crianças que leva metade dessas à necessidade de diálise. Alto índice de suspeita se faz necessário ao diagnóstico dessa afecção que não pode ser feito pela coprocultura convencional e cujos achados endoscópicos de acometimento do cólon direito imitam a DC. A amebíase é uma doença universal e a mais freqüente parasitose nos Estados Unidos. Tem especial importância devido à existência de portadores assintomáticos contaminantes. A via de transmissão é fecal oral ou por contágio sexual, especialmente importante entre homossexuais masculinos. Os sintomas variam desde diarréia leve até colite fulminante e a diarréia com sangue é freqüente. À sigmoidoscopia, o achado de ulcerações conforme descritas é comum. O diagnóstico é realizado pela pesquisa de trofozoítos ou cistos amebianos nas fezes. A colite pseudomembranosa é reconhecida como a única colite infecciosa de aspecto endoscópico patognomônico. Nesta, o cólon se apresenta predominantemente hiperemiado e friável e são identificadas pseudomembranas circulares com diâmetro entre 2 e 5 mm, podendo ser confluentes e de coloração branca-acinzentada —Figura 19.01. Responsável pela produção intestinal da toxina A, uma citotoxina enterotóxica que causa a colite, o Clostridium difficile é uma bactéria gram-positiva, anaeróbia e formadora de esporo que representa um contaminante comum em hospitais. Na colite pseudomembranosa, diarréia e dor abdmonial seguem-se habitualmente entre uma e três semanas após curso de antibioticoterapia. Os antibióticos mais relacionados são a clindamicina, lincomicina e as cefalosporinas. O diagnóstico laboratorial é realizado através da identificação da toxina nas fezes pelo teste da hemaglutinação no látex que pode ser realizado em apenas três horas48 . O tratamento inclui mais freqüentemente o metronidazol ou a vancomicina. A diferenciação entre colites de etiologia infecciosa e colites inespecíficas é de significativa importância durante um primeiro ataque de colite. Ainda que seja difícil e por vezes impossível, torna-se importante face ao tratamento que é completamente diferente nessas situações. A maioria dos pacientes com colite infecciosa procura o médico após uma semana de diarréia e disenteria; em oposição aos doentes com colites inespecíficas que, face a primo-manifestação habitualmente insidiosa (à exceção dos casos de colite fulminante), acabam por procurar cuidados médicos mais tardiamente. Achados endoscópicos podem ser indistingüíveis, no entanto, alguns achados histológicos tais como distorção e ramificação vertical de glândulas intestinais favorecem o diagnóstico de doença inflamatória intestinal47. A história de viagem antes da apresentação inicial não tem valor prático significativo uma vez que importante parcela dos doentes com colites inespecíficas reportam início dos sintomas após viagens ou curso de antibioticoterapia. Infecção por Shigella, Salmonella, Campylobacter e E. coli entero-hemorrágica devem ser exclúídas antes de se fechar o diagnóstico de primo-manifestação de RCUI. Yersinia e tuberculose intestinal devem ser consideradas no diagnóstico diferencial da DC. Doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) que acometem o segmento anorretal têm, nos países ocidentais como principal meio de transmissão o coito anal. Pacientes homossexuais masculinos com SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) e com manifestações anorretais dessas doenças podem se apresentar com suspeita de colite inespecífica e o colonoscopista deve estar atento às principais DSTs que acometem esse grupo de indivíduos. Entre 95% e 100% dos homossexuais masculinos abrigam anticorpos contra citomegalovírus (CMV). A colite por CMV é uma infecção do trato gastrintestinal freqüente em imunossuprimidos relacionada à infecção pelo HIV (virús da imunodeficiência humana) e em transplantados renais. O acometimento da mucosa colorretal pela colite por CMV pode ser difuso ou segmentar. A mucosa se apresenta granulosa e ulcerada de forma semelhante à RCUI. Lesões submucosas nodulares violáceas ou amareladas podem ser observadas assim como hemorragias submcuosas. O diagnóstico é feito mediante exame histológico das biópsias endoscópicas e revela os corpúsculos de inclusão citoplasmáticos nas células endoteliais e vasculite nos capilares da mucosa e submucosa 32. Muitos pacientes com proctite gonocóccica são assintomáticos. O principal sintoma é a descarga retal mucopurulenta e amarelada. À retoscopia, a inflamação poupa classicamente o canal anal e o reto se apresenta friável, com hiperemia, granular e por vezes, ulcerado. O diagnóstico é feito pela cultura de tecido ou secreção imediatamente semeada no meio de Thayer-Martin. Ao contrário da gonorréia, na sífilis, o acometimento do canal anal por lesão ulcerada isolada (cancro duro) na ausência de proctite é comum. A proctite por Chlamydia pode ser encontrada em até 15% dos homossexuais masculinos assintomáticos41. Os achados endoscópicos precoces no reto são inespecíficos e de proctite aguda. No entanto, a ocorrência de estenose ou massa retal cuja resolução é predominantemente cirúrgica 21. O diagnóstico é feito pela cultura de biópsia e por reação sorológica específica. Ambos os sorotipos (1 e 2) do vírus do Herpes simples estão associados a afecções anorretais. A proctite pelo Herpes é muito sintomática e freqüentemente acompanhada de prurido anal. Os achados endoscópicos da proctitie pelo Herpes são de mucosa hiperemiada e friável, ulcerações e ocasionalmente vesículas e pústulas intactas que acometem quase sempre o reto inferior somente. O quadro pode ser recidivante e parestesias sacrais bem como dor nas nádegas precedem o seu aparecimento. O diagnóstico é histologico e baseado na demonstração dos corpúsculos intranucleares e células gigantes multinucleadas. A tuberculose intestinal é uma afecção rara em indivíduos imunocompetentes porém a tuberculose pulmonar é uma afecção de importante prevalência entre imunossuprimidos particularamente associada à SIDA. A possibilidade de tuberculose intestinal aumenta com a gravidade do quadro pulmonar e a disseminação é mais freqüentemente hematogênica. A região íleo-cecal e o cólon são os locais mais freqüentemente acoemtidos o que leva ao diagnóstico diferencial a ser realizado com a DC e o câncer. OS sintomas são inespecíficos e incluem anorexia, emagrecimento, dor abdominal e diarréia. Massa abdominal palpável no quadrante inferior direito pode ser encontrada em até 50% dos casos. O aspecto endoscópico é similar ao da DC especialmente no que diz respeito ao acometimento segmentar e à formação de estenoses. No entanto, as estenoses tendem a ser mais curtas e as ulcerações preferencialmente circulares ao invés de longitudinais. O diagnóstico é realizado pela biópsia das lesões e pesquisa de BAAR (bacilo álcool-ácido resistente) na amostra de tecido. 19.02.02 Lesões intestinais por irradiação A radioterapia é, nos dias atuais, etapa importante do tratamento de uma variedade de cânceres pélvicos, especialmente o câncer de colo, útero e ovário, de próstata ou bexiga, o CCR e o câncer do ânus. A enterite e a colite actínicas podem responder por complicações agudas que ocorrem durante ou logo após a radioterapia ou por complicações crônicas que ocorrem entre 6 e 24 meses após o tratamento16. A proctite é a complicação mais comum dessa modalidade terapêutica acometendo aproximadamente 5% dos doentes irradiados por câncer de próstata, seguida pela enterite (1%)39. Idade avançada, intensidade e campo de irradiação, operações abdominais prévias e caráter intermitente da irradiação são fatores de risco. O aspecto endoscópico da colite actínica aguda é de intensa hiperemia e edema de mucosa do segmento irradiado resultante da inflamação aguda e destruição do epitélio e camada mucosa que se seguem à irradiação. As alterações crônicas são resultado da endarterite obliterante que acomete os segmentos intestinais e incluem, mais comumente a diminuição da distensibilidade à insuflação de ar, perda de haustrações, atrofia da camada mucosa com aparecimento de alterações vasculares (telangiectasias) e hemorragias submucosas e, por vezes, ulcerações e estenose. Proctite hemorrágica, fístula retovaginal e estenose são complicações que se assestam no reto como manifestação da proctite actínica crônica. A realização de biópsias contribui ao diagnóstico diferencial bem como para afastar recidiva neoplásica nos casos de câncer do reto irradiado. 19.02.03 Colite isquêmica A colite isquêmica pode ser aguda ou crônica, de caráter intermitente, podendo dessa forma ser interpretada por colites inespecíficas ou a síndrome do cólon irritável. A colite isquêmica espontânea, não associada `a aneurismectomia de aorta abdominal ou estados de hipotensão arterial, ocorre mais freqüentemente no lado esquerdo do cólon provavelmente devido a insuficiência de irrigação arterial nesse segmento intestinal em que pese as evidências clínicas e anatômicas a esse respeito sejam ainda contraditórias ou incompletas. É mais freqüente após os 50 anos de idade e deve ser suspeitada em pacientes com insuficiência cardíaca em uso de digital ou duréticos, em doentes com insuficiência coronariana, arritimias ou história de embolia, diabetes ou distúrbios do colágeno.que se apresentam com sangramento retal com diarréia ou franca enterorragia. Os achados endoscópicos são uniformes mas podem distribuir-se de forma irregular podendo haver áreas sãs em meio às regiões inflamadas. Edema de mucosa e friabilidade são comuns e estes se encontram freqüentemente associados a ulcerações que podem ser extensas — Figura 19.02. Diminuição do calibre do cólon e perda da distensibilidade estão associados a cronicidade assim como a formação de estenoses. O exame histológico das biópsias da mucosa pode revelar infiltrado inflamatório de intensidade variável e o achado de deposição de hemossiderina confirma a etiologia isquêmcia da colite. As formas graves associadas a essa condição caracterizam-se mais freqüentemente por dor abdominal, sinais sistêmicos de infecção (febre, leucocitose e prostração) e, nesses pacientes, o exame endoscópico do cólon esquerdo não deve ser precedido de preparo devido à suspeita de necrose intestinal. Esses achados são resultantes de isquemia das camadas mucosa e submucosa podendo ou não estar associados ao comprometimento vascular transmural que é geralmente segmentar. Nessas áreas, o cólon apresenta coloração acinzentada e esverdeada. Essa percepção deve levar o colonoscopista a documentar o achado e interromper o exame solicitando imediata intervenção do cirurgião para tratamento cirúrgico de gangrena intestinal. 19.02.04 Colite neutropênica A colite neutropênica, depois de confirmada como uma entidade anátomo-patológica distinta das colites inespecíficas, foi descrita cursando durante a fase precoce do tratamento quimioterápico de vários tumores sólidos e não mais como complicação tardia associada às neoplasias hematológicas de modo que sua frequência e importância vêm crescendo como resultado da aplicação mais disseminada da quimioterapia em adultos ou crianças. Afeta principalmente o íleo terminal e o cólon direito3,50 . A etiologia ainda é parcialmente esclarecida mas parece relacionada a ação de drogas citotóxicas, neutropenia grave, hemorragia intramural causada por trombocitopenia e ação bacteriana, em especial do Clostridium septicum 29. Febre, diarréia e dor abdominal na fossa ilíaca direita em paciente neutropênico em quimioterpia sugerem o diagnóstico. Pacientes com suspeita de colite neutropênica, em sua maioria, apresentam-se em grave estado e a suspeita de perfuração intestinal como complicação deve ser afastada. Dessa forma, não são, via de regra, candidatos a exame colonoscópico. São melhor avaliados pela tomografia computadorizada do abdome que fornece o diagnóstico presuntivo pela demonstração de espessamento geralmente restrito ao ceco e ascendente. Ainda que seja controverso, é provável que o tratamento cirúrgico seja a melhor alternativa no sentido de se afastar o diagnóstico de apendicite aguda e realizar a colectomia 37. 19.02.05 Colite colagenosa e colite linfocítica O termo ‘colites microscópicas’ foi inicilamente utilizado para se descrever o que hoje se entende por colite linfocítica. Posteriormente, foi empregado para abrigar o que se entende hoje por colite colagenosa, a própria colite linfocítica e também as colites inespecíficas leves ou quiescentes (em especial a RCUI) e, por fim, as colites associadas ao emprego de antiinflamatórios não-hormonais. Devido à sua imprecisão, deve ser abandonado. A maioria dos pacientes com colite colagenosa ou linfocítica evolui de forma insidiosa e intermitente. A diarréia aquosa crônica com número de evacuações diárias geralmente não superior a oito, associada a cólicas abdominais é a apresentação mais freqüente. Perda de peso e desidratação não são comuns. O exame enodscópico nesses pacientes é, via de regra, normal. No entanto, edema, friabilidade e padrão vascular anormal podem ser encontrados em até 29% dos casos6. Biópsias endoscópicas estabelecem usualmente o diagnóstico diferencial entre as duas doenças e devem ser obtidas de todo o cólon uma vez que a sigmoidoscopia com biópsia pode não resultar em diagnóstico em até 40% dos casos8. Aumento na população de células inflamatórias na lâmina prória e dentro do epitélio são comuns a ambas as doenças. Aumento no número de linfócitos é achado universal nos doentes com colite linfocítica e favorece esse diagnóstico. A presença de uma camada espessada de colágeno em posição subepitelial é verificada somente na colite colagenosa.
19.03 RCUI
Provavelmente descrita por Samuel Wilkis em 185922, a RCUI representa uma doença inflamatória crônica e recidivante, restrita somente à mucosa do intestino grosso. Mais comumente envolve o cólon de forma contínua começando no reto inferior e se estendendo proximalmente até uma distância variável da borda anal de maneira que pode ser classificada em três formas clinicamente distintas: proctossigmoidite, colite esquerda e pancolite. Ao contrário da DC, a RCUI não acomete outras regiões do trato gastrointestinal em que pese manifestações extraintestinais possam ocorrer.
Discretamente mais comum no sexo feminino, apresenta pico de incidência ao redor da terceira década de vida e um segundo pico menor após a oitava década. Indivíduos de origem caucasiana, —especialmente os de origem judaica— são mais freqüentemente afetados se comparados aos africanos ou asiáticos. Há maior frequência da doença entre parentes e o seu início é mais precoce entre os membros de famílias afetadas.
Não só a extensão do acometimento no cólon pode ser variável mas também a intensidade do processo inflamatório que pode variar entre a colite crônica leve e uma inflamação aguda fulminante.
Pacientes com proctite ou proctossigmoidite se apresentam com eliminação retal de sangue e muco cuja intensidade é extremamente variável podendo corresponder a um sangramento associado a fezes razoavelmente bem formadas como na doença hemorroidária até evacuações diarreicas freqüentes com sangue e muco. No entanto, em oposição aos doentes com pancolite, não há repercussão sobre o estado geral. Já nesses últimos, é comum a presença de alterações sistêmicas, de anemia e emagrecimento. Febre e dor abdominal ocorrem com frequência nos doentes com pancolite ainda não tratados e a hospitalização deve ser realizada nessa situação objetivando avaliação diagnóstica completa.
Pacientes com colite aguda grave ou fulminante apresentam-se toxemiados e, dessa forma, com febre e sinais sépticos graves (taquicardia, febre, leucocitose, rubor facial, prostração e extremidades quentes). A colite aguda grave pode ocorrer como primeira manifestação da doença ou a qualquer momento como manifestação de exacerbação da colite de longa evolução. Tem mortalidade estimada em 3% 23 e a ausência de melhora ou a piora clínica verificadas ao longo de 24 ou 48h de terapia clínica agressiva deve indicar tratamento cirúrgico por meio de colectomia total. O megacólon tóxico é uma complicação da colite fulminante e é definido pelos sinais sistêmicos de toxemia associados a uma dilatação aguda do cólon. Estima-se que 6% dos doentes com RCUI hospitalizados venham a evoluir com megacólon tóxico17. Fatores que contribuem para o seu aparecimento incluem a hipocalemia, uso de anticolinérgicos e o sulfato de bário. O maior risco associada à dilatação aguda do cólon é o de perfuração. A mortalidade associada ao megacólon tóxico é de 4% quando não há perfuração e de 20 a 40% após a perfuração 24. Dessa forma, o tratamento clínico do megacólon tóxico deve se resumir à estabilização pré-operatória. Tanto a colite aguda grave ou fulminante e, obviamente, o megacólon tóxico representam contraindicação absoluta ao exame colonoscópico devido ao risco de perfuração associado à insuflação ou à intubação do cólon.
Manifestações extraintestinais na RCUI são bastante freqüentes tendo ocorrido em 55% dos doentes conforme nossa experiência 49. As manifestações articulares foram as mais comuns (39%) e predominaram no sexo feminino. O eritema nodoso e o pioderma gangrenoso são as manifestações cutâneas mais comuns estando o último mais freqüentemente associado à RCUI. A colangite esclerosante primária representa a manifestação extraintestinal mais grave e é mais freqüente na RCUI podendo ocorrer, no entanto, associadamente à DC. Trata-se de uma doença progressiva caracterizada por processo inflamatório fibrosante que acomete a via biliar intra e extra-hepática. O diagnóstico é realizado pela colangiografia endoscópica. Cirrose biliar secundária ocorre nos casos mais avançados. Vale lembrar que, à semelhança da espondilite anquilosante, a colectomia não altera o curso das alterações fibróticas e o transplante de fígado representa a única alternativa terapêutica eficaz para os doentes com cirrose.
No que se refere ao tratamento clínico da RCUI, este objetiva produzir a remissão da doença em atividade no mais curto intervalo de tempo possível e, obviamente, não resulta na cura. São empregados mais freqüentemente os derivados do ácido 5-amino-salicílico utilizados em associação aos corticóides. A via de administração pode ser oral (pancolite), retal (supositórios na proctite e enemas na colite esquerda ou proctossigmoidite), endovenosa (na colite fulminante) e combinada (quando a resposta à via isolada de administração é fraca).
As indicações mais freqüentes de tratamento cirúrgico na RCUI são a intratabilidade clínica (resposta incompleta ou ausente, dependência da corticoterapia, efeitos colaterais do tratamento clínico), colite fulminante associada ou não ao megacólon tóxico, retardo do crescimento em crianças, diagnóstico histológico de displasia de alto grau à biópsia do cólon, diagnóstico de câncer ou impossibilidade de excluí-lo, sangramento e intensidade de manisfestações extraintestinais (articulares e cutâneas).
Na medida em que a doença está confinada ao intestino grosso, a cura pode ser obtida pela realização da retocolectomia total. Sempre que tecnicamente possível e exceto nas situações de emergência (hemorragia e colite fulminate) ou má-função esfinctérica, o trânsito intestinal deve ser reestabelecido através da reconstrução por anastomose íleo-anal com reservatório ileal (operação da bolsa ou pouch ileal). Em alguns casos selecionados onde o reto está relativamente pouco acometido e na ausência de displasia, a colectomia total com anastomose ileorretal pode ser empregada. A realização da ileostomia definitiva está reservada aos casos de má-função esfincérica ou displasia ou degeneração assestados no reto.
19.03.01 Diagnóstico endoscópico Na proctossigmoidite ou na colite à esquerda, o limite entre a região do colón sem inflamação e de localização mais proximal e a região mais distal e inflamada é, na maioria das vezes, facilmente identificável na forma de uma transição abrupta ou gradual. Lesões anais são incomuns em pacientes com RCUI, embora possam ocorrer. Não devem, no entanto, ser confundidas com dermatite ou lesão perianal resultantes da diarréia e higiene repetida. O processo inflamatório atinge especificamente a camada mucosa levando inicialmente a aumento do fluxo sangüíneo e edema de mucosa. Dessa feita, o achado endoscópico mais precoce é o de eritema e apagamento da vasculatura submucosa. Esse achado não tem similar radiológico e é esse o motivo pelo qual a colonoscopia é mais sensível do que o enema opaco na avaliação da RCUI. Outro achado endoscópico inicial é o de mucosa granular que é o resultado do reflexo luminoso obtido a partir de cada cripta com edema circunjacente — Figura 19.03. A mucosa edemaciada é friável e pode ser facilmente traumatizada pelo aparelho. Nessa doença, o processo inflamatório é contínuo, acometendo o reto e os demais segmentos cólicos proximalmente em extensão variável e, mais comumente, com gradiente decrescente de intensidade no sentido proximal. Como resultado dessa fisiopatologia, úlceras sempre aparecem em áreas de inflamação circunjacente. Em fase intermediária de evolução, a mucosa adquire superfície granulosa e friável podendo ocrrer hemorragias espontâneas ou ao toque do aparelho. Em fase avançada, na RCUI, ocorre o aparecimento de úlceras individualizadas. Pólipos inflamatórios são achados associados a colites graves e resultam de um processo de projeção ou hiperplasia da mucosa inflamada vizinha a áreas de mucosa desnuda ou ulceração circunjacente — Figura 19.04. Na RCUI de longa evolução, como resultado de retração da camada muscular e não alterações fibróticas, pode haver encurtamento do cólon o que pode ser facilmente percebido pelo endoscopista devido à possibilidade de atingir o íleo terminal após menor inserção do aparelho bem como pelo aspecto de ‘tubulização’ do cólon. Nessa situação, podem ser observadas áreas de atrofia da mucosa intestinal cujo aspecto endoscópico é de, não mais de mucosa granular, mas intensamente brilhante e pálida com identificação de inúmeras telangiectasias na submucosa — Figura 19.05. 19.03.02 Seguimento Não estão disponíveis até o momento dados que justifiquem o emprego da colonoscopia com biópsias na avaliação da resposta ao tratamento clínico da RCUI. Tal avaliação deve ser feita primordialmente com base em dados clínicos uma vez que alterações endoscópicas podem persistir a despeito de inequívoca remissão da atividade da colite9,35. Pacientes com RCUI cuja resposta ao tratamento clínico está aquém da esperada não deverão ser submetidos a novo esquema terapêutico como resultado de uma nova avaliação endoscópica. Analogamente, pacientes com ótima resposta terapêutica poderão ser submetidos à redução de doses e retirada de medicamentos de forma independente de novos achados endoscópicos. Pacientes com pancolite ou colite à esquerda com duração superior a sete anos exibem risco aumentado de desenvolver CCR31,46. Numerosos estudos atentaram para a identificação e quantificação dos fatores de risco para CCR em doentes com RCUI 33 . O mais importante fator de risco para CCR conhecido é a duração da doença. As estimativas de risco cumulativo para CCR para doentes com duração da doença superior a 35 anos podem chegar a até 43%13. Associadamente, pacientes com pancolite (extensão proximal da doença situada pelo menos no ângulo hepático), com início da doença antes dos 20 anos de idade, com diagnóstico associado de colangite esclerosante primária, e com maior atividade da doença durante intervalos de tempo maiores parecem estar sob risco aumentado de degeneração maligna no intestino grosso. Na RCUI, acredita-se que, ao contrário do câncer de ocorrência esporádica, o CCR desenvolve-se não como resultado da sequência adenoma-carinoma, mas sim, em microambiente de displasia mucosa. Acredita-se que a displasia representa a lesão precursora do CCR em indivíduos com RCUI. De acordo com recomendações do Inflammatory Bowel Disease Morphology Study Group, biópsias endoscópicas obtidas durente o seguimento de doentes com RCUI devem ser classificadas como negativas para displasia, indefinidas para displasia ou se, no achado positivo de displasia, se de baixo grau, ou de alto grau de malignidade 42. Quando a displasia é identificada em mucosa colorretal macroscopicamente anormal, é denominada lesão ou massa associada a displasia, ou DALM (do inglês, dysplasia-associated lesion or mass). As evidências atuais sugerem que o achado de DALMs ou displasia de alto grau de malignidade são altamente preditivos da ocorrrência de câncer sincrônico ou em um futuro próximo. Em contrapartida, sabe-se que uma significativa parcela dos doentes desenvolve CCR sem displasia associada53. O racional envolvido na realização do rastreamento em indivíduos com RCUI deriva da hipótese de que o CCR na RCUI se desenvolve a partir de uma fase pré-maligna de displasia que pode ser detectada ao exame histológico de biópsias endoscópicas. No entanto, até o momento, nenhum estudo epidemiológico ou ensaio clínico randomizado testou a eficácia de programas de vigilância do CCR em doentes com RCUI através da colonoscopia com pesquisa de displasia. Devido ao longo intervalo de tempo necessário à realização desses exames, é pouco provável que estejam disponíveis em futuro próximo. Apesar de várias experiências disponíveis na literatura e inclusive em nosso meio 36, a possibilidade de empregar a aneuploidia como marcador objetivo de instabilidade epitelial e alta probabilidade de degeneração maligna esbarra na relativa falta de sensibilidade do método (na medida em que 30 a 40% dos CCRs são diplóides) e falta de padronização das ténicas de citometria de DNA. De acordo com recomendações da American Society for Gastrointestinal Endoscopy2, colonoscopias com biópsias seriadas devem ser iniciadas após oito anos de duração da doença em doentes com pancolite e após 15 anos do diagnóstico em doentes com colite à esquerda. Nesses, o exame colonoscópico com múltiplas biópsias (efetuar entre duas e quatro biópsias com fórceps a intervalos de 10 cm no cólon e no reto) deve ser realizado anualmente ou a cada dois anos, preferencialmente durante período de remissão da doença. Áreas de irregularidade mucosa e todas as lesões polipóides devem ser biopsiadas ou excisadas nessa ordem, e o exame histológico deve ser realizado com objetivo de diagnóstico de DALMs. A confirmação do diagnóstico de displasia por um segundo patologista também é recomendada. O diagnóstico de displasia de alto grau de malignidade, DALM ou CCR invasivo requer colectomia.
19.04 DC
Descrita inicialmente por Crohn, Ginzburg e Oppenheimer em 1932 12, na forma da ileíte regional, o comprometimento do intestino grosso pela DC só veio a ser relatado pela primeira vez em 1960 por Lockhart-Mummery e Morson 34. Ao contrário da RCUI, a DC pode afetar qualquer localização do trato gastrointestinal além do cólon. É caracterizada por um processo inflamatório focal e trasnmural (acomete todas as camadas do trato gastrointestinal), freqüentemente granulomatoso e que resulta na formação de estenoses e fístulas, raramente levando à perfuração.
Da mesma forma que a RCUI, a DC acomete adultos jovens de ambos os sexos, da raça branca com picos de incidência entre os 15 e os 25 anos e sua maior repercussão sobre a vida desses pacientes advém do caráter recidivante de suas manifestações bem como da necessidade de um ou mais procedimentos cirúrgicos.
A DC, enquanto processo inflamatório crônico recidivante, caracteriza-se por episódios de exacerbação e remissão cujo quadro clínico resulta da localização e extensão da doença.
Farmer e cols.14 analisaram 615 pacientes com CD consecutivamente internados na Cleveland Clinic e identificaram quatro padrões de distribuição da doença: ileocolite —doença no íleo terminal e no cólon direito— em 41%; enterite isolada em 29%; colite isolada em 27% e comprometimento anorretal sem doença em delgado ou cólon proximal em 3%. A localização isolada no trato gastrointestinal superior é rara e a maioria dos doentes com acometimento do esôfago, estômago ou duodeno tem doença avançada no intestino delgado ou cólon.
Os sintomas mais freqüentemente relacionados à localização no intestino delgado são a diarréia, dor abdominal, perda de peso e desnutrição. O sangramento é inesperado nesse grupo de doentes. O processo inflamatório crônico de caráter transmural resulta na formação de estenoses que levam a quadros suboclusivos de repetição caracterizados por distensão abdominal e vômitos.
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